quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Como e por que Câmara salvou mandato de Donadon

 

A título de afirmar a independência do Legislativo ou para proteger os condenados do mensalão, Henrique Alves, PT e partidos governistas contribuíram para o resultado de ontem ao levarem para plenário um tema que poderia ter sido decidido na Mesa da Câmara


Henrique Alves (à esquerda, de costas) durante o discurso de Natan Donadon na Câmara
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, jamais esquecerá o dia 28 de agosto de 2013. E jamais os brasileiros bem informados deixarão de associar o deputado, que exerce o cargo pelo 11º mandato consecutivo, à data em que a casa legislativa por ele presidida tomou a inédita decisão de absolver um parlamentar condenado pelo Supremo Tribunal Federal a mais de 13 anos de prisão, em regime fechado, com sentença transitada em julgado (isto é, sem possibilidade de recurso).
Assim, passamos a ser o estranho caso – talvez único – de país em que um presidiário é deputado federal, embora seja impedido legalmente de sê-lo. Pior. Mal a Câmara decidiu manter o mandato de Natan Donadon (sem partido-RO), Henrique Alves anunciou aquilo que vários parlamentares gostariam que ele tivesse feito muito antes. Declarou formalmente a impossibilidade de Donadon exercer o mandato, colocando-o em licença forçada e convocando o suplente, Amir Lando (PMDB-RO), para assumir o seu lugar.
Fez, portanto, exatamente o contrário do que os deputados haviam acabado de decidir. Na prática, cassou Donadon, que não poderá reassumir a cadeira na Câmara enquanto estiver preso. Como a sentença de prisão não pode mais ser modificada, ele é um deputado que só manterá esse título e os símbolos que lhe são próprios: o famoso botton, que abre portas em Brasília mas inspira revolta pelo país afora, o passaporte diplomático, de pouco uso para quem está na cadeia etc.
Henrique ainda arcará com o desgaste de ter protagonizado um raro espetáculo de desmoralização da política e do Congresso, mesmo para uma instituição habituada à prática da autodesmoralização. Foi o inusitado desfecho de um capítulo em tudo peculiar da história política brasileira.
Veja a seguir os principais lances dos bastidores da decisão.
Os alertas que Henrique não ouviu
Parlamentares de diferentes partidos, à esquerda e à direita, alertaram Henrique sobre os riscos de levar a decisão para plenário. “Eu disse ao Henrique: ‘Você vai cometer o maior erro da sua vida. Avoca a decisão para a Mesa Diretora e declara vago o mandato’”, relatava ao Congresso em Foco o experiente deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), já temendo pelo pior, quando a votação de ontem à noite ainda estava em andamento.
Naquele momento, outro deputado, Jutahy Jr. (PSDB-BA), subia à tribuna para lamentar a realização da votação então em curso quando ele próprio havia apresentado, no debate sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a solução que evitaria o constrangimento imposto à Câmara e ao Poder Legislativo como um todo: aplicar o artigo 15 da Constituição, que prevê expressamente a perda dos direitos políticos em caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. Ora, argumentava, se alguém deixou de ter direitos políticos, não pode exercer mandato parlamentar. Algo lógico, razoável e em consonância com o que o STF – órgão máximo do Poder Judiciário – havia decidido.
No que Jutahy emendava outro argumento. Desde que a Constituição de 1988 foi alterada para permitir que o STF abrisse processo criminal contra parlamentares sem necessidade de autorização prévia do Congresso, o Supremo tornou-se o titular do julgamento de crimes cometidos por deputados e senadores. Bastaria assim que a Mesa Diretora da Câmara declarasse “de ofício” – ou seja, sem  consultar o plenário ou qualquer outra instância – a perda de mandato de Donadon e a convocação do seu suplente.
Henrique atuou fortemente para evitar que o parecer de Jutahy fosse aprovado. Também se mobilizaram no mesmo sentido o PT e o PMDB, acompanhados pelo PTB, pelo PR e pela maioria dos partidos da base governista.
Por trás das articulações, o PT e o mensalão
A intensa mobilização para levar o assunto a plenário nada tinha a ver com o desejo de salvar Natan Donadon, um deputado do chamado “baixo clero”, cujo destino nunca foi objeto de preocupações maiores por parte dos caciques da Câmara. O objetivo era, isto sim, estabelecer um padrão para lidar com os deputados condenados pelo Supremo no processo do mensalão: João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP).
Foi para protegê-los e lhes assegurar “amplo direito de defesa” que o PT pressionou seus representantes na CCJ a fulminarem o parecer de Jutahy. A ideia era lhes oferecer uma possibilidade final de se defenderem, atacarem a decisão do STF e, quem sabe, salvarem o mandato, com a prestimosa ajuda proporcionada pelo voto secreto. Na votação de ontem, curiosamente, 131 deputados rejeitaram a cassação do deputado de Rondônia e 41 se abstiveram, mas nenhum deles teve a dignidade de declarar o voto de público. Somente Natan Donadon defendeu a absolvição, num longo discurso (aqui, a íntegra). Afora as afirmações típicas (“sou inocente”, “não sou ladrão”, “sou vítima da imprensa sensacionalista e do Ministério Público”), sempre recebidas com cumplicidade numa casa em que muitos deputados são réus de ações criminais, Donadon causou impacto ao relatar, emocionado, como é a vida de quem está atrás das grades desde 28 de junho.
toudeolhoemademar13.blogspot.com

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